PL Antiterror atinge organizações sociais, dizem especialistas

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Projeto de Lei que propõe punição de crime organizado poderia institucionalizar criminalização de organizações sociais. Autor do PL, Eduardo Valverde (PT-RO) assegura que texto pode ser revisto para resguardar movimentos.

SÃO PAULO – Apresentado nesta terça (27) na Câmara dos Deputados, o PL 486/2007, de autoria do deputado Eduardo Valverde (PT-RO), que “define crime de terrorismo, organização terrorista e dá outras providencias”, foi enfaticamente repudiado nesta quarta-feira (28) por defensores dos direitos humanos e pares do parlamentar.

Baseado, segundo Valverde, na legislação portuguesa de combate ao terrorismo e objetivando tipificar, na lei penal brasileira, ações do crime organizado que se vale de atos terroristas – como os ataques a ônibus no Rio de Janeiro, ou do PCC, em São Paulo -, o PL, na avaliação de advogados especializados em direitos humanos, permite a setores mais conservadores do Judiciário fechar o cerco contra as ações de pressão política dos movimentos sociais.

Segundo o projeto, “considere-se crime de terrorismo os atos que, na população ou em um segmento da mesma, produzam terror ou intimidação e criem perigo comum para a vida, a saúde, a integridade corporal ou a liberdade das pessoas, pelo emprego de meios ou artifícios que, por sua natureza, possam causar danos materiais, graves perturbações da ordem ou calamidades públicas”.

Também “considere-se grupo, organização ou associação terrorista todo o agrupamento de duas ou mais pessoas que, atuando coletivamente, visem prejudicar a tranqüilidade e ou a ordem pública, forçar a autoridade pública a praticar atos, a abster-se de o praticar, ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral por meios de atos terroristas”.

De acordo com a advogada Maria Rita Reis, da organização civil de direitos humanos Terra de Direitos, tanto a classificação de terrorismo quanto a de terrorista é juridicamente muito aberta e, conforme o texto apresentado ao Congresso, deverá enquadrar qualquer organização social que use métodos de pressão, como ocupações, manifestações e até abaixo-assinados para exigir o atendimento de governo pelo governo.

“É lamentável que um deputado do PT tenha embarcado na onda da criação de mecanismos antiterroristas no Brasil. Sabe-se que na América Latina, estas leis têm servido exclusivamente para reprimir as organizações sociais. Por exemplo, o PL não explica o que entende por ‘intimidação’. Pode ser qualquer pressão política. Mas o mais importante é que o Projeto fere a Constituição ao atacar o direito de organização. Se aproxima de um novo AI-5”, afirma Maria Rita.

“Forçar a autoridade pública a praticar atos, a abster-se de o praticar, ou a tolerar que se pratique”, por sua vez, é o objetivo da maioria das mobilizações sociais, sejam elas de luta por moradia ou terra, contra a sanção de leis consideradas adversas aos interesses da população, ou contra a própria criminalização das lutas populares, explica a advogada.

A apresentação do PL de Valverde, que deve passar pelas comissões de Constituição e Justiça e Segurança antes de chegar à Plenária, também preocupou deputados do próprio PT. Segundo Milton Tubino, assessor do deputado Adão Pretto (PT-RS), o PL será discutido em breve pelo núcleo agrário do partido, que já acompanha os PLs resultantes da CPMI da Terra (considerar ocupações de terra ato terrorista e o esbulho possessório com fins políticos crime hediondo), para avaliar se pedem a Valverde que retire o projeto.

Procurado pela Carta Maior, o deputado negou veementemente que houve qualquer intenção de associar os movimentos sociais ao conceito de terrorista. “Quero fazer audiências com os movimentos para explicar que o PL não deve atingi-los, mas apenas o tráfico e o crime organizado”, explicou. Caso o problema esteja na redação e seja necessário refazê-la, Valverde se disse disposto a corrigir eventuais falhas no projeto.

É preciso?
Além das críticas ao texto do PL, a advogada Maria Rita Reis questiona a própria necessidade da criação de leis antiterror, uma vez que o Brasil não tem sido vítima ou palco de atividades caracterizadas como terrorismo no conceito utilizado internacionalmente.

“A legislação brasileira já tem mecanismos de sobra para punir a ação do crime organizado, utilizando-se inclusive de instrumentos questionáveis do ponto de vista dos direitos humanos. Já existem leis que punam o PCC”, afirma.

Questionado sobre o assunto, Valverde argumentou que, apesar da não existência no país do terrorismo étnico, religioso ou de luta contra o Estado, seria necessário tipificar os crimes de terror, uma vez que “as organizações criminosas se valem do terror, usam métodos terroristas”.

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