Em que Florianópolis nós queremos viver?

por Raul Machado.

Sério, galera! Que tipo de sociedade queremos?

Vivemos com pressa, sem tempo. Por isso comemos mal. Não nos exercitamos. Compramos carros e nos enfurecemos com o trânsito parado. Trabalhamos demais. Não lemos, por que estamos cansados. E aí caímos ou na televisão, ou no facebook ou na cachaça. Nos alienamos da essência da vida, da nossa própria essência. Nos estressamos. Brigamos. Nos achamos os donos da verdade. Somos violentos. Egoístas. Cortamos a frente dos outros, furamos filas, jogamos o lixo na rua. Por que não há tempo de fazer de outro jeito. Por que já temos problemas demais na cabeça. Por que esquecemos de como viver bem. Poluímos nossa casa Terra e depois reclamamos, tomamos remédios pra problemas respiratórios e xingamos quando há enchente. Acabamos com a nossa natureza e reclamamos quando falta água ou o verão anda mais quente que o normal. Comemos mal e tomamos vitaminas. Somos individualistas e egoístas e não nos importamos com os outros, mas ficamos indignados e xingamos muito no twitter quando um ladrão nos rouba e a marginalidade bate a porta de nossa casinha. Queremos ganhar dinheiro para aumentar nossos muros, eletrificar nossas portas e blindar nossos carros. Trabalhamos para pagar as contas de coisas que nem precisamos. Temos medo do silêncio. Da solidão. Do tédio. E por isso brincamos (sozinhos) com nossos celulares. E nos esquecemos de prestar atenção à vida que vai passando na frente de nossos narizes alérgicos. Somos todos ou hiperativos ou depressivos. Somos infelizes crônicos que buscam frenesis e fugas instantâneas.

É isso que queremos? Sério?

Mas este texto era pra discutir algumas questões locais. Então vamos lá. Hoje pela manhã li que aprovaram um projeto de hotel de 18 andares na Ponta do Coral em Florianópolis. E o pessoal do “progresso” aplaudiu e comemorou, claro. Deste mesmo progresso que estávamos conversando acima, lembram-se? A comunidade luta há décadas para que este espaço na Ponta do Coral seja um parque, uma praça, um local público, gratuito, de convivência, diálogo. Mas o pessoal inteligente do progresso prefere privatizar o local, construir um hotel de 18 andares (quando o plano diretor da cidade limita em 6 andares pra região). Ou seja, não basta escolher a privatização e a edificação vertical ao invés do “esverdeamento” público, ainda tem que ir em contra das próprias diretrizes urbanas da cidade. E tudo isso sob a batuta da própria prefeitura e de uma tal secretaria que se diz (vejam só) do “meio ambiente”. E a marinha, aquela instituição que adora tirar terrenos e casas de populares na ilha da magia ou cobrar taxas absurdas, mas que agora fica quietinha?

Este é um exemplo específico e recortado, de uma prática que é regra por aqui e que diz muito sobre como as pessoas encaram a vida. Encaram daquela maneira que começamos o texto. Vamos lá, arranquem árvores, privatizem a cidade, coloquem catracas, construam prédios enormes e iguatemis, não importa o mangue, nem o parque das crianças…isso é coisa de ambientalista hippie chato. E ainda vamos gerar empregos e progresso, vejam que maravilha! Vamos virar Miami, este é o nosso horizonte, não aquele que antes se via quando não tinha prédios na beira-mar norte. “Mamãe, quero ser desenvolvido, quero ser Dubai. – E por que não Dinamarca, Butão, Islândia ou Uruguai, meu filho? – Não, não e não, quero Miami, Dubai e Bevery Hills” – E por que não Tupi, Tupinambá, Mapuche ou nós mesmos como somos em nossa essência pura, meu filho? – Eca! Tá por fora mãe, meditou demais e pirou, vai tomar rivotril ou te mando pro hospício”. Talvez um pensamento rápido e imediatista sobre a situação nos leve a pensar exatamente isto. Muitos chegam facilmente a esta conclusão e a defendem com unhas, garras, moedas-verdes, deputados e ofensas. As pessoas chegam a concordar que prédios, hotéis, marinas e iguatemis geram emprego e renda e que por isso importam mais do que a natureza, a felicidade genuína, a simplicidade (sem saber que elas também podem gerar emprego e renda). E o que é a natureza senão nós mesmos? Não pensem que a natureza é algo lá, distante de nós, alguma coisa verde que tem fora da cidade ou em vasos na sacada do meu apartamento. Nós somos natureza. Ao vê-la separada de nós é que nasce esta visão de que não há problema em devastá-la para construir avenidas para carros poluentes. Releia e pense sobre isso: Nós somos a natureza.

Então continuamos olhando um pouco mais pra frente e um pouco mais profundamente, que tal?

Não estamos indo exatamente pro caminho do primeiro parágrafo deste texto? Destruindo a natureza, que vai gerar doenças respiratórias, que vai gerar secas, enchentes, falta de peixes ou aquecimento? Privatizando espaços públicos, que vão isolar ainda mais as pessoas, criando “apartheids” socioeconômicos? Construindo prédios que bloqueiam a vista do horizonte, tão importante para poetas, navegadores, sonhadores e crianças? Desenvolvendo num sentido que além de acabar com nosso planeta nos oferece uma ideia falsa de felicidade? Construindo blocos de concreto para comprar coisas que não precisamos e que nos obrigam a trabalhar tanto que…não temos tempo de ir no parque com nossa própria família e apresentar ao nosso filho um pé de árvore ou provar a ele que cenoura vem da terra e não do supermercado?

Aumenta-se o preço do transporte público sem melhorá-lo (de novo, e de novo, e de novo…). As ruas se entopem de carros. Quem não tem grana perde o direito de ir e vir. A prefeitura constrói mais ruas. As novas ruas ocupam o lugar da antiga calçada, da antiga ciclovia, da antiga praia pública, da antiga grama onde qualquer um pode empinar sua pipa. E depois nos estressamos por que perdemos tempo no trânsito e não temos tempo para o lazer e para as pessoas que amamos, que se chateiam conosco, aí vamos perdendo o vínculo com as pessoas, com a natureza, com o lazer, com nós mesmos e PUF! Pronto. Lá vamos nós de novo pra a cadeia de problemas já citados.

Este ciclo não tem saída. E tudo começa pelo começo.

Sim, cada pequeno exemplo nos mostra como encaramos a vida como um todo. E as escolhas que fazemos em cada pequena encruzilhada dizem muito sobre nós como sociedade. E Floripa como cidade segue escolhendo mal, sob aplausos de muitos telespectadores.

Não digo que todo o problema da humanidade se resume a se vamos fazer um parque ou um shopping, um centro cultural ou um escritório, uma escola ou um presídio, uma biblioteca ou uma bmw. Ops, ao mesmo tempo é exatamente disto que se trata, sim! Cada uma destas pequenas decisões diz muito sobre uma civilização. E sobre o fim dela.

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