Por volta das 18h desta terça-feira, 14/09, estudantes e populares já aguardavam em frente à Câmara de Vereadores de Florianópolis o início da sessão com a votação do Projeto de Lei Complementar, que alteraria a lei de regulamentação do processo de licitação das empresas de transporte público.
A casa abriu as portas e as 200 pessoas já manifestavam sua indignação com o projeto a ser votado. Aos gritos de “Se essa lei aprovar, olê, olé, olá, a cidade vai parar” e de “Ilha da magia, democracia é só uma fantasia” a sessão começava.
Como segundo ponto põe-se em votação o projeto. Entretanto, explicando o grau de impopularidade e questionando veementemente o texto, ao explicar a necessidade de se fazer audiências públicas em todas as regiões da cidade, entre outras medidas de diálogo com o povo, o vereador Ricardo Vieira (PC do B) requereu antes, a votação da volta do projeto para a Comissão de Trabalho, Legislação Social e Serviço Público. Sua proposta foi negada por 11 votos contra 3. Em seguida, apesar de toda a pressão popular presente com diversos setores da sociedade se manifestando contra, por 11 votos a favor, um contra e duas abstenções, a Câmara de Vereadores aprovou o projeto de lei complementar 1.017/2009 que atualiza a lei 034/99 com 6 emendas novas. Somente o vereador Ricardo Vieira votou contra.
A sessão termina às 20h e aos poucos os manifestantes vão saindo da Câmara. Ao passo que o carro do primeiro vereador tenta sair, o bloco se reúne novamente e bloqueia a Rua Anita Garibaldi e fecha-se a garagem do prédio. Nisso, um ônibus da Transol, ao tentar fazer a curva para desviar do bloqueio, bate em um carro e acaba tendo que parar, colaborando com ocupação da rua. Com isso, a manifestação começa uma assembléia para discutir os próximos passos e uma série de falas ocorre. Fala-se em Ação Pública para embargar a lei complementar recém aprovada, fala-se em organizar um projeto popular substitutivo ao presente e ainda tira-se uma reunião de reorganização da Frente de Luta pelo Transporte Público para o próximo sábado, 18/09, às 14h30, no DCE da UFSC.
A atração do bloqueio foi a queima de um pequeno ônibus feito com papelão escrito “Tran$ol”. O protótipo ficou queimando por mais de 1 hora, mesmo após várias tentativas da guarda municipal de apagar com extintor de incêndio, panos e até pisando em cima. Após o fogo ter se apagado a Polícia Militar e o BOPE apareceram e tinham ordens diretas para retirarem os vereadores da Câmara em segurança. E foi o que ocorreu. A manifestação não quis confronto e o cordão policial foi feito para que dois carros com todos os 7 vereadores, que ficaram lá dentro por 1 hora e meia, saíssem.
Nesse momento um manifestante que estava em outra parte da rua jogou sacos de lixos nos carros e acabou sendo detido e levado para a Central de Polícia. Logo em seguida a manifestação se encerrou, alguns foram na Central verificar e outros dispersaram. Acumulando vontades e forças.
Para esta quinta-feira, dia 16/09, às 19h30, no auditório da Reitoria da UFSC, está marcado o lançamento do documentário IMPASSE, produzido pelos jornalistas Fernando Evangelista e Juliana Kroeger. O mesmo problematiza a situação calamitosa em que se encontra o sistema de transporte coletivo da capital e mostra entrevistas com atores e atrizes participantes de todo esse imbróglio, que se tornou pauta ativa na sociedade florianopolitana nos últimos 10 anos.
Entenda o Projeto de Lei Complementar aprovado
Da noite para o dia surgiu na pauta da sessão da Câmara de Vereadores a votação do projeto de Lei Complementar 1.017/2009, visando alterar a lei 034/99- que já regulamenta o processo de licitação das empresas do transporte coletivo de Florianópolis – autorizando e transformando pontualmente este já existente processo licitatório. Diz-se “da noite para o dia”, pois o projeto foi diretamente para a votação de maneira inconclusiva. O último estágio de debate foi na Comissão de Trabalho, Legislação Social e Serviço Público e esta simplesmente não chegou a uma conclusão em cima do assunto. Mostrando assim, como é necessário um diálogo com a população para que tais leis, que afetem centenas de milhares de vidas, não atuem de maneira a piorar a situação que já está; mantendo assim um nível mínimo de democracia na sociedade.
O novo projeto no começo de sua redação enfatiza a continuação do sistema de transporte nas mãos da iniciativa privada, alegando que “Administração Pública Municipal não dispõe de condições técnicas, recursos humanos e capacidade econômico-financeira para assumir tal encargo e ainda investir na qualidade, na modernização e atualização tecnológica e na melhoria contínua do serviço (…)”. O texto segue elencando através de artigos, diversas mudanças tais como nos nomes dos tipos de linhas, nos diversos possíveis tipos de concessão e também – pasmem – a possibilidade de concessão planejada num prazo máximo de 20 anos e abrindo uma exceção para casos em que as empresas invistam valores muito altos, para 35 anos.
Em outras palavras, na próxima votação para a licitação das empresas é bem possível que seja aprovada a renovação do contrato das atuais empresas para mais 20 anos e quiçá 35. Questiona-se, então, o tamanho do espaço dado às empresas privadas para atuarem no meio de um serviço que era para ser público e gratuito, assim como qualquer outro serviço público é e o tipo de democracia que temos num regime onde se garante a exploração do transporte coletivo por até 70 anos por uma mesma empresa.
O projeto também aprovou a abertura para incorporações, cisões, fusões e transferência do seu controle societário desde que o poder público dê o seu aval. Além disto, a tarifa continuará a ser através da divisão do custo total dos serviços entre os passageiros pagantes. Ou seja, a população continuará pagando o lucro dos presidentes das empresas e também garante o espaço delas de estarem atuando, mesmo depois do término do contrato, até quando um novo processo de licitação seja votado. Deixando evidente o caráter dos ajustes votados no dia. Os mais importantes, claramente, foram acrescentados para a facilitação da vida das empresas privadas no processo de atuação de suas concessões, em um sistema o qual o direito de ir e vir da população tem um preço.