Fonte: Estopim periódico
| “NOSSOS SONHOS NÃO CABEM EM SUAS URNAS” |
Ser o catalisador de iniciativas sociais, culturais e ambientais que lutam, contestam e questionam os desmandos do poder vigente e visam à transformação da sociedade em um lugar mais livre e igualitário. Essa é a principal premissa do Libertar.org. Para isso, os seus criadores e mantenedores, P. e D., convidam os movimentos sociais a hospedarem seus blogs no servidor do Libertar, unindo vozes que não têm espaço na grande mídia.
A iniciativa começou na UFSC, mas tinha um intuito ainda modesto: expor problemas na infraestrutura da universidade, como calçadas esburacadas ou sem acessibilidade, denunciar as grandes filas do restaurante universitário e reclamar dos riscos de segurança causados pelos extintores de incêndio vencidos.
O projeto cresceu. A partir de 2009, agregou o fenômeno Rádio Tarrafa, que na época tinha por objetivo montar uma rádio FM livre, posicionada contra o monopólio da comunicação de massas.
Atualmente, a iniciativa reúne ainda muitas vozes sociais, como a da Frente de Luta pelo Transporte, combatente das más condições do transporte coletivo da Capital. Nesta entrevista, conheça a história do Libertar.org e de brinde um resgate histórico dos movimentos sociais de Florianópolis e de sua recente atuação.
✔ Qual foi o estopim do Libertar? Quando que vocês tiveram a ideia?
P: Em 2007, fazíamos parte de um grupo de amigos em um laboratório da UFSC.
A ideia catalisadora que acabou dando origem ao Libertar.org foi o desejo deste grupo de amigos em colocar no ar um site não institucional voltado para comunidade da UFSC que teria como principal finalidade expor publicamente problemas na infraestrutura da universidade, tais como calçadas esburacadas ou sem acessibilidade, filas grandes no restaurante universitário, extintores de incêndio vencidos etc, sempre cobrando providências dos responsáveis e acompanhando os prazos fornecidos até que o problema fosse resolvido. Qualquer um da comunidade poderia participar. O nome pensado para o site foi “UFSC em alerta”, uma brincadeira com o nome de programas sensacionalistas que faziam sucesso na TV aberta na época.
Nas discussões sobre o UFSC em alerta, surgiram outras ideias de blogs e sites, todos sem qualquer finalidade comercial. Alguns destes com apenas um indivíduo querendo mantê-lo e outros chamaram a atenção de mais membros. Por isso, fomos atrás de um espaço na internet onde pudéssemos publicar este tipo de conteúdo e que fosse sem propagandas. Queríamos um nome de domínio que causasse impacto, algo relacionado a liberdade. Depois de muitas tentativas com domínios já em uso, conseguimos um bom nome disponível: “libertar.org”.
As ferramentas gratuitas disponíveis na internet para blogs que pesquisamos, na época, envolviam propaganda e/ou outras limitações. Então, aproveitando que estávamos em um grupo que trabalhava na área de Tecnologia da Informação, fizemos uma vaquinha para contratar um espaço em um servidor de hospedagem que nos desse liberdade de pôr no ar todos sites que pensávamos e cuidamos da parte técnica. Com o servidor contratado, os mais empolgados foram colocando suas ideias no ar, mas o “UFSC em Alerta” exigiria um trabalho maior dos idealizadores e acabou nem sendo iniciado. Alguns blogs que surgiram nessa época foram o Subversivos, Nanicolina, Cultura Ucraniana, etc. Este projeto coletivo com os amigos acabou sendo o estopim do Libertar.org.
✔E de que maneira vocês cresceram e agregaram tantos coletivos, como a Frente de Luta pelos transportes, a Rádio Tarrafa e os outros?
P: Um dia quando estávamos trabalhando apareceu no laboratório um senhor chamado Ernesto Kramer que estava querendo instalar a distribuição Linux Ubuntu no seu computador. Ele estava participando de um evento chamado Jornada Interdisciplinar de Ações em Saúde e Ambiente (JIASA), organizada pelo Centro Acadêmico Livre de Medicina (CALIMED) junto com outros coletivos da cidade. Acabamos participando do evento com uma oficina de instalação do Ubuntu e outra sobre Software Livre e em uma das reuniões nos oferecemos para hospedar o site do evento.
Durante o evento, esse senhor, que na época militava contra as sacolas plásticas, pediu que a gente criasse um blog para ele no libertar.org. Nessa época, percebemos que muitos coletivos e ativistas não dispunham de um espaço adequado para expor suas ideias e que tínhamos o conhecimento técnico para ajudá-los fornecendo a infraestrutura básica (hospedagem e instalação de uma plataforma para gerenciar conteúdo).
Em 2009, conheci o coletivo da Rádio Tarrafa e comecei a participar. O objetivo do coletivo era montar uma rádio FM livre, posicionada contra o monopólio da comunicação de massas, concentrado na mãos das grandes mídias e que envolvesse a comunidade do entorno.
A experiência que tive participando da construção da rádio foi muito bacana. Toda gestão acontecia de forma horizontal (sem uma hierarquia) e cada pessoa tinha uma responsabilidade perante ao grupo. Ou seja, a rádio era autogerida pelos próprios programadores e tarefas como cuidar do estúdio e dos equipamentos e montar uma grade de programação era responsabilidade de todos.
Foi na rádio que fiz amigos que tinham contatos com movimentos sociais e coletivos, tais como o Movimento Passe Livre (MPL), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Centro de Mídia Independente (CMI) e Coletivo Unidades de Conservação da Ilha (UC da Ilha).
A Frente de Luta pelo Transporte Público da Grande Florianópolis por exemplo havia se formado em 2011, durante uma jornada de lutas contra o aumento das tarifas de ônibus. Nós da rádio estávamos cobrindo esta luta, e muitos também estávamos inseridos nela. Portanto foi assim que se deu essa aproximação.
✔ Quais são as intenções sociais de vocês? O que querem mudar localmente?
P: Acreditamos em uma sociedade mais livre e igualitária. O mundo de hoje é muito desigual em vários aspectos. Em 2016, os 1% mais ricos terão mais dinheiro que o resto do mundo todo, e as grandes corporações que concentram estes recursos exercem uma influência muito grande nos governos que teoricamente deveriam representar o povo.
Além disso, ainda convivemos com o racismo, o preconceito contra as mulheres, os gays e as minorias em geral. Nossas liberdades também são constantemente ameaçadas pela influência de organizações religiosas sobre os governos, que legislam sobre nossos corpos e comportamentos. Também sofremos constante vigilância e espionagem de grandes corporações em conjunto com o Estado, como ficou claro nos episódios recentes do Wikileaks.
Infelizmente esses são problemas que não se resolvem da noite para o dia. Por isso, precisamos construir meios alternativos de comunicação que não sejam cooptados pelo sistema. Por isso, tentamos divulgar estas iniciativas, para que as ideias circulem e possam influenciar outras pessoas. Sabemos que temos um alcance limitado, mas é o que está ao nosso alcance!
Precisamos mudar a forma com o qual atuamos em nosso próprio cotidiano, em nosso trabalho, em nossas relações, em nossa comunidade. É aquela velha história do “pensar globalmente e agir localmente” e do “faça você mesmo”. Não adianta ficar esperando uma revolução cair do céu ou ser feita por um decreto de governo, precisamos colocar a mão na massa, cada um de acordo com suas capacidades e aos poucos construir esse mundo novo que queremos. Um mundo sem opressões, onde possamos ser livres de fato.
✔ A Grande Florianópolis tem muitos coletivos ou movimentos sociais querendo se comunicar com o mundo?
P: Sim. Desterro/Meiembipe é uma cidade rebelde, que ganhou o nome de Florianópolis como um “cala boca” por sua rebeldia. Aqui tivemos a Novembrada e as Revoltas da Catraca de 2004 e 2005. Ao mesmo tempo, é uma cidade tradicionalmente dominada por grupos conservadores, o que sempre deixa uma tensão latente no ar.
Essa tensão explodiu nos últimos anos, com as ocupações urbanas pela moradia, como a Ocupação Amarildo de Souza, com os atos contra a tarifa e pelo Passe Livre, com o levante do Bosque no CFH contra a ação truculenta da polícia na UFSC e os atos pela Ponta do Coral 100% Pública.
Todos esses grupos têm muitas coisas a dizer, mas muito pouco espaço onde podem expressar as suas ideias. Como sabemos, a grande mídia, praticamente dominada por um único grupo no Estado (RBS) tem um poder muito forte de desinformação.
Podemos destacar alguns grupos locais que utilizam o Libertar.org atualmente, como a Frente de Luta pelo Transporte Público da Grande Florianópolis, o Coletivo Anarquista Bandeira Negra, o Estágio Interdisciplinar de Vivência, o grupo contra a Violência Obstétrica de SC e o Grupo de Ação Feminista (GAFE).
Atualmente também estamos participando do Movimento Ponta do Coral 100% Pública, que luta pela construção do Parque Cultural das 3 Pontas na Ponta do Coral, onde a construtora Hantei, a Prefeitura e o governo do Estado se aliaram para construir um hotel de 18 andares para que poucos privilegiados possam usufruir em uma área que já foi pública e que foi vendida ilegalmente no final dos anos 70.
✔ Que características um coletivo ou movimento social precisa ter para integrar o latifúndio digital do Libertar?
P: O Libertar.org é um espaço não-governamental, não-corporativo e não-partidário destinado a coletivos, movimentos sociais e indivíduos que queiram hospedar e divulgar projetos de cunho social, cultural e ambiental tendo em vista a transformação da sociedade atual em uma sociedade mais livre e igualitária.
Nosso público principal são grupos que não estão subordinados a um partido político, empresa ou governo, pois estes tipicamente já dispõem de infraestrutura. Mas o que nos interessa mesmo é que o conteúdo do site esteja de acordo com os princípios doLibertar.org.
A visão política de liberdade e igualdade que temos é um tanto ampla, e abrange tanto movimentos com uma pauta social específica, até grupos de arte e contracultura, que de alguma forma estão sintonizados com os ideais do espaço.
Nestes sete anos, temos construído um espaço para as lutas libertadoras de várias cores e sabores: anarquistas, feministas, artistas, ribeirinhos do Amazonas, mães e seus bebês que querem curtir um cinema, catraqueiros que lutam por um transporte público mais justo, ativistas de mídia livre, professores, defensores da legalização da maconha, grupos de incentivo a leitura e muitos outros.
✔ Por conta desse trabalho, vocês têm bastante contato com os movimentos sociais da Grande Florianópolis. Na visão de vocês, eles exercem papel importante na nossa sociedade? Por quê?
P: Enxergamos que os movimentos sociais são essenciais na conquista de direitos em nossa sociedade. Sem a pressão da população organizada, os governos tendem a ceder aos interesses dos poderosos para manter o status quo. Não existem conquistas sem luta, foi assim com os direitos trabalhistas, com a democracia representativa e até com as praças e parques de nossa cidade.
Estes movimentos também são importantes para empoderar as pessoas, para mostrar que é possível “fazer politica” e mudar os rumos da história mesmo sem participar da política partidária tradicional. Acreditamos que o voto é apenas parte da participação popular, é como dizem os Zapatistas: “nossos sonhos não cabem em suas urnas”.
✔ O Libertar tem metas para o futuro? Algo como se tornar um conglomerado de comunicação de iniciativas sociais, ou a boa é ser feliz? Quais são os desafios de vocês?
P: Nosso principal desafio é poder dedicar mais tempo para o projeto, para ele continuar evoluindo mesmo que bem aos poucos.
Outro é pagar as contas do espaço que provemos, que nos primeiros anos foi integralmente paga pelos idealizadores. Mas graças a colaboração financeira de vários grupos e indivíduos conseguimos pagar o espaço por mais dois anos e não acreditamos que isto será um grande problema em algum momento.
✔ Quais são os valores mais comuns que vocês encontram nos indivíduos que lutam por causas sociais?
P: Ao longo destes anos temos visto pessoas de diferentes idades, gêneros, ocupações e classes sociais lutando por alguma causa. A dedicação, a persistência e a solidariedade são os valores mais notáveis. Os inimigos são muitos e a relação de forças, em geral, é muito desigual, mas mesmo assim estas pessoas estão lá, fazendo muitas vezes um “trabalho de formiguinha” e se dedicando de corpo e alma em uma causa na qual acreditam. É muito bacana, embora às vezes pareça frustrante, dado que as derrotas também não são poucas. Mas, seguimos em frente!
Foto: retirada do “Libertar.org”
Por Nícolas David, que assim como o Estopim, acredita em um mundo mais igualitário e faz de si um catalisador de ideias. Seguimos!
Fonte: Estopim periódico